Utaki

Conheci o Ricardo Tokugawa em minhas aulas. Ele, sempre presente, em quase todos os encontros que ministrei. Eis que, para minha grande surpresa, passados alguns meses, ele me envia um e-mail comentando que ganhou o 1o. Prêmio Lovely de Fotolivro para sua obra chamada Utaki, um lugar sagrado em Okinawa. Surpresa maior foi quando ele me contou que, de certa forma, nossos encontros acabaram lhe tocando e dando inspiração para trazer Utaki na sua materialidade.

Utaki é um tema quase sempre presente quando falo sobre Okinawa nas minhas aulas. A sua importância na cosmologia e para a sociedade ryukyuana é imensa, pois muitas vezes é morada de um ou mais uyan, kan ou kami, uma divindade nativa que, mesmo depois de ocupações e até uma guerra sangrenta, continuam habitando aquelas terras.

É com um imenso prazer que anuncio agora o lançamento de Utaki para o grande público, com um bate-papo online super especial agora no dia 25 de agosto de 2021 às 19h. No evento Utaki será apresentado ao público nas palavras do próprio Ricardo Tokugawa, além da participação do pessoal da Editora Lovely. Gostaria também de dizer que fiquei imensamente lisonjeado para fazer parte dessa conversa! Não se esqueçam de colocar na agenda e acompanhem as redes sociais da Editora Lovely e da Japanologia para saber mais!

Aproveitei o momento para pedir ao próprio Ricardo que falasse sobre sua obra aqui na Japanologia. É uma maneira de amenizar um pouco da ansiedade até o dia do lançamento.

Victor Hugo – O que significa Utaki e por que você escolheu esse nome para o projeto?

RT. O projeto Utaki foi feito na casa dos meus pais, com fotos que tirei da minha família e de arquivo pessoal. Essa foi a casa em que nasci e passei boa parte da minha juventude, ou seja, o lugar em que fui criado. Cresci em um ambiente que ao mesmo tempo em que comíamos pizza com arroz japonês, eu tinha que responder ao meus pais um “hai”, quando chamado. Como descendente de okinawanos sempre participei das missas e rituais, sem saber direito porque íamos de casa em casa “acender senkô”, mas gostava, pois, sempre havia bastante comida.

Na minha criação, nunca houve a cobrança explícita para ser estudioso, bom em matemática e trabalhador, mas eu sentia que isso era o esperado de mim e assim eu fiz. Fiz engenharia em uma faculdade pública, trabalhei em uma grande e renomada empresa… até que a fotografia entrou na minha vida, comecei abrir os olhos para a pluralidade e percebi que nunca fui convidado a questionar, mas a sempre ter respostas.

Assim, como uma criança curiosa, comecei a questionar e elaborar os meus porquês, sem esperar uma resposta. Será que o que me foi ensinado como “correto”, realmente é correto?

“Utaki” na língua de Okinawa se refere à um lugar sagrado e com essa ideia eu convido o leitor/a leitora a também elaborar os seus próprios questionamentos. Será que o sagrado é intocável e imutável?

Como foi o processo criativo, a seleção das imagens, escolha de cores, iluminação e ambientes para o projeto?

RT. Para mim, fotografar não é ter uma imagem como resultado, mas vivenciar o processo entre a ideia e a imagem final. Processo que não é linear e que me faz entrar em contato com experiências que me geram questões. Assim, o acaso e a intuição são muito importantes em todas as etapas desse meu projeto.

Apesar de muitas imagens serem construídas e/ou encenadas, durante o ato fotográfico não existe a clareza e racionalização de como será a imagem final, abrindo a possibilidade para o acaso e atuação dos personagens.

Todo momento, na narrativa do projeto, conceitualmente e esteticamente, eu convido mais uma vez o leitor/a leitora a questionar. O que é real e o que é ficção?

As ligações do nome do livro com Okinawa são óbvias, mas as fotos não registram necessariamente as paisagens tropicais okinawanas. Pensando no contexto brasileiro pós-imigração, como o livro (e projeto) faz essa ponte com o arquipélago?

RT. Acredito que essa ponte esteja só no “simples” fato de eu ter ascendência okinawana.

Eu, como ser humano e autor, posso falar com propriedade apenas sobre a minha história (e talvez nem isso?). Então, sendo um brasileiro, descendente de imigrantes okinawanos, de terceira geração, nascido e crescido na cidade de São Paulo, me coloca em um contexto específico, gerando questões indenitárias que certamente não me ocorreriam em um outro contexto. Assim, no projeto, permeio essa noção de identidade, investigo as tradições herdadas e atualizo meus próprios rituais de passagem.

As imagens do livro parecem ser bastante pessoais. Diria até que elas evocam sensações, emoções e sentimentos íntimos relacionados às vezes até com a memória. Me parece uma experiência pessoal que, ao mesmo tempo, é coletiva. O que você acha dessa interpretação?

RT. O projeto se estabeleceu com uma narrativa aberta e subjetiva, sendo que em um determinado momento, meus pais deixam de ser os meus pais, minha avó deixa de ser a minha avó e passam a ser personagens dessa (auto)ficção.

Na concepção do trabalho autoral, para mim, a subjetividade e possibilidade de diferentes interpretações é essencial. Tendo como o mote inicial a experiência pessoal, acredito que ela se torna coletiva a partir do momento em que convido o leitor/a leitora a também participar do projeto com a sua própria interpretação e vivência.

Fotografias cedidas gentilmente pelo autor


Utaki, de Ricardo Tokugawa

Fotolivro vencedor do Festival Imaginária, como 1o. Prêmio Lovely de Fotolivro

São Paulo, Editora Lovely, 2021

Nº de páginas: 124

Dimensões: 29x20cm

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