Neste mês de agosto tivemos o encerramento de um dos ciclos espirituais mais importantes do Japão, o Obon (お盆). No Bon as famílias japonesas cruzam todo o Japão para visitar os túmulos dos seus antepassados (sosen), realizar a limpeza espiritual ou material dos ossos e abrem suas residências para a visitação destes espíritos ancestrais durante três dias. Como dizem os okinawanos, o Obon é, por fim, a celebração da vida, quando a cultuamos com o respeito pelos antepassados da família (uyafafudi).
Como percebem alguns antropólogos, o Bon divide o calendário de rituais japoneses em duas partes iguais, sendo os meses de julho e agosto de grande importância para a cosmologia nipônica e okinawana. Seu início também divide o mês escolhido m duas partes iguais, daí a importância do sétimo mês e do 15º dia. Antigamente o Bon era realizado no 15º dia do sétimo mês do calendário lunar, hoje chamado de Kyūbon (旧盆).
Com a adoção do calendário gregoriano na Era Meiji (1868-1912), observamos duas novas variações, sendo o Shichigatsubon (七月) comemorado no 15º dia de julho e o Hachigatsubon (八月盆) comemorado no 15º de agosto. Tais variações são observadas de acordo com as várias regiões do Japão, além de também ser realizado nos países com grande concentração de descendentes, como o Brasil. A comemoração do Bon tem origem budista, quando o monge Maudgalyāyana, um dos principais discípulos de Buddha, percebe o sofrimento do espírito de sua mãe em um dos planos inferiores.
Conhecido como Mokuren no Japão, Maudgalyāyana tinha o dom da visão extrassensorial e assim percebeu o quanto sua mãe, egoísta em vida, sentia fome no Reino ou Plano dos Espíritos Famintos, ao passo que seu pai, generoso quando vivo, ascendeu para os planos superiores. Aflito, Maudgalyāyana pede o auxílio de Buddha, que o instrui a servir uma singela oferenda para a sua mãe no 15º dia do sétimo mês do ano, período em que ela poderia vir resgatar e por fim, se alimentar. É dito por alguns que, durante esse período, os grandes portões do Inferno são abertos, permitindo assim a saída dos espíritos sofredores.
Realizada a oferenda, Maudgalyāyana decide comemorar por conta do sucesso de sua empreitada, entoando o Sutra Ullambana de piedade e amor filial para com os antepassados. O costume foi rapidamente se expandido pela Índia (Ullambana), China (Yu Lan Jie) e Japão (Urabanna, Urabon-e e depois Obon), demarcando a importância do respeito para com os antepassados em uma série de oferendas e orações. Sua realização ocorre principalmente nos Butsudan, altares ou oratórios dedicados aos antepassados, abrigo dos ihai ou tabuletas memoriais que, por si só, simbolizam os espíritos dos falecidos da família. Além dos ihai, podemos encontrar várias fotografias, incenso, água, sake, comida, etc. (respeitando aqui as devidas variações regionais).
O Obon dura três dias e as cerimônias realizadas em cada um deles varia de região para região no Japão, finalizando com o Tōrō nagashi com as lanternas de papel acesas nos rios, simbolizando a partida dos antepassados para o mundo espiritual. Uma das expressões mais interessantes é a de Okinawa, sendo tais dias rigorosamente divididos em Unkeh, Nakabi e Uukui, que é o recebimento dos antepassados (Unkeh) com o preparo e a oferta de oferendas bastante específicas, sendo o último dia, Uukui, uma celebração maior para se despedir dos espíritos antepassados com grande agradecimento. Como já ouvi em pesquisa de campo, o Uukui deve ser um clima de festa, marcando assim o encerramento do calendário okinawano e abrindo um novo ciclo dentro da complexa cosmologia okinawana.
O Sutra Ullambana por sua vez se popularizou com danças circulares, hoje o tão conhecido Bon Odori (literalmente, dança do bon) e que está repleto de canções de estilo bushi ou hondo, além dos famosos eisaa okinawanos, todos observados em grandes festivais por todo o Japão e pelo mundo e continuamente documentados pela Antropologia e Etnomusicologia.
Em várias cidades do Brasil vemos o respeito às tradições do Bon Odori com as danças sendo realizadas, na maioria das vezes, ao redor de um palanquim chamado Yagura, que abriga dançarinos e músicos de taiko que ensinam os passos aos demais participantes. Para me despedir em clima de festa, deixo no post uma relação de vídeos relacionados ao Bon, mostrando como tais festivais de Bon Odori e Eisa mobilizam várias pessoas em todo o Japão e mundo. Deles, destaque para uma aula de dança de Tanko Bushi, para o famoso Awa Odori em Tokushima e o tradicional Eisa Nagashii de Okinawa.
Victor Hugo Kebbe
PS.: Agradeço pelo suporte da minha amiga pesquisadora sobre Okinawa Lais Miwa Higa na produção deste artigo. Também agradeço ao José Higa pelos insights.
Um comentário em “Obon”